O REALISMO QUÍMICO E AS DUAS FACES DE JANUS
Palavras-chave:
realismo químico, filosofia da química, Ian Hacking, filosofia experimental, affordanceResumo
A imagem de Janus, Deus romano das mudanças e transformações, nos serve como uma bela alegoria da história e das implicações filosóficas, sociais, econômicas e ambientais do conhecimento químico dos materiais. Por outro lado, sendo o Deus das transições pode ser visto como o símbolo da criação, da temporalidade, da geração e da composição. E se tem algo que é o núcleo duro da química são as inúmeras substâncias criadas e transformadas pelos químicos a cada dia. Do ponto de vista epistêmico, o conhecimento químico tem uma marca distintiva, própria e singular: ele encontra-se entre os âmbitos do teórico e prático, do abstrato e concreto. Aliás é por isso que, por fim, Janus pode significar o âmbito representacional, mas também intervencionista da ciência química.
Dentro desse contexto surge uma pergunta manifesta: as entidades postuladas pelos químicos em diferentes épocas existem realmente? No debate contemporâneo da filosofia da química, a ênfase da questão altera-se, pois interessa compreender se essas entidades químicas intervêm ou não nos fenômenos estudados. É por isso que ao propor refletir sobre as entidades inobserváveis, que todos os químicos mobilizam em seus laboratórios, além do lado representativo, teórico, abstrato desse conhecimento, deve-se enfatizar seu âmbito intervencionista, prático e, portanto, operatório e laboratorial. Sustentaremos aqui ser possível identificar o que chamaremos de um “realismo químico” prático e operatório ao longo da história da química.
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