O REALISMO QUÍMICO E AS DUAS FACES DE JANUS

Autores

  • Luciana Zaterka Universidade Federal do ABC, Brasil
  • Ronei Clécio Mocellin Universidade Federal do Paraná, Brasil

Palavras-chave:

realismo químico, filosofia da química, Ian Hacking, filosofia experimental, affordance

Resumo

A imagem de Janus, Deus romano das mudanças e transformações, nos serve como uma bela alegoria da história e das implicações filosóficas, sociais, econômicas e ambientais do conhecimento químico dos materiais. Por outro lado, sendo o Deus das transições pode ser visto como o símbolo da criação, da temporalidade, da geração e da composição. E se tem algo que é o núcleo duro da química são as inúmeras substâncias criadas e transformadas pelos químicos a cada dia. Do ponto de vista epistêmico, o conhecimento químico tem uma marca distintiva, própria e singular: ele encontra-se entre os âmbitos do teórico e prático, do abstrato e concreto. Aliás é por isso que, por fim, Janus pode significar o âmbito representacional, mas também intervencionista da ciência química.

Dentro desse contexto surge uma pergunta manifesta: as entidades postuladas pelos químicos em diferentes épocas existem realmente? No debate contemporâneo da filosofia da química, a ênfase da questão altera-se, pois interessa compreender se essas entidades químicas intervêm ou não nos fenômenos estudados. É por isso que ao propor refletir sobre as entidades inobserváveis, que todos os químicos mobilizam em seus laboratórios, além do lado representativo, teórico, abstrato desse conhecimento, deve-se enfatizar seu âmbito intervencionista, prático e, portanto, operatório e laboratorial. Sustentaremos aqui ser possível identificar o que chamaremos de um “realismo químico” prático e operatório ao longo da história da química.

 

DOI: https://doi.org/10.29327/2194248.5.3-20

Biografia do Autor

Luciana Zaterka, Universidade Federal do ABC, Brasil

Possui graduação em Química pela Universidade Mackenzie e mestrado em Química Orgânica pelo Instituto de Química da USP. Fez a graduação, o mestrado e o doutorado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH-USP). Fez o pós-doutoramento em História da Ciência pela PUC-SP. Atualmente é Professora Associada da Universidade Federal do ABC (UFABC), atuando na Graduação e na Pós-Graduação. É professora do Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal do Paraná desde 2021. Suas pesquisas estão voltadas à filosofia moderna, teoria do conhecimento e filosofia da química. Possui dois livros publicados: A filosofia experimental na Inglaterra do século XVII (FAPESP/Humanistas) e Ensaios de História e Filosofia da Química (Ideias & Letras), além de inúmeros artigos e capítulos de livro publicados em revistas especializadas.

Ronei Clécio Mocellin, Universidade Federal do Paraná, Brasil

Graduado em Química pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), mestre em filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), doutor em filosofia pela Universidade de Paris e tem pós-doutorado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Paraná na cadeira de Filosofia da Ciência desde 2014, atuando nos cursos de graduação e pós-graduação. Os seus temas de investigação estão relacionados com a história e a filosofia da química e dos materiais.

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Publicado

2023-12-24

Como Citar

Zaterka, L., & Mocellin, R. C. (2023). O REALISMO QUÍMICO E AS DUAS FACES DE JANUS. REVISTA INSTANTE, 5(3), 419–438. Recuperado de https://revista.uepb.edu.br/revistainstante/article/view/2757