UM CONTRASTE NECESSÁRIO E UM MOMENTO RETIFICADOR:
O DEMONÍACO COMO PARÓDIA DA EXISTÊNCIA
Palavras-chave:
Demoníaco. Paródia. Existência.Resumo
No quarto capítulo da obra kierkegaardiana O conceito de angústia, de 1844, o autor pseudônimo Vigilius Haufniensis dedica um considerável número de páginas à descrição do fenômeno do demoníaco. Tendo em vista que a obra em questão apresenta a liberdade como elemento ontológico da existência humana, o nome do fenômeno se justifica pela perversão do uso da liberdade: apresentado como “angústia diante do bem,” em que o bem é identificado com a liberdade, a pessoa que se encontra na condição do estado do demoníaco utiliza-se da liberdade em nome da não-liberdade, produzindo uma existência caracterizada pelo fechamento hermético e pelo súbito, expressos como mutismo e negação do movimento. Ora, no ano anterior à publicação da obra em questão, Kierkegaard havia publicado, sob o pseudônimo Johannes de Silentio, Temor e tremor, na qual apresenta Abraão como um paradigma da existência na fé. Tal existência aparece caracterizada pela tarefa, pelo silêncio, pelo salto enquanto duplo movimento da fé e, implicitamente, pelo instante, sendo todos estes conceitos importantes no interior da filosofia kierkegaardiana da existência como um todo. Neste artigo pretendemos demonstrar como o demoníaco, manifesto como fechamento hermético e como súbito, aparece como paródia do tipo de existência caracterizado por Abraão. em Temor e tremor. na medida em que apresenta, por assim dizer, versões distorcidas daqueles conceitos que tipificam a existência na fé. Por fim, apresentamos uma possibilidade interpretativa de como a paródia do demoníaco pode aparecer como um contraste necessário e um momento retificador para a existência.
Referências
JESSEN, Mads Sohl. Parody/Satire. In.: EMMANUEL, S.M.; MCDONALD, W.; STEWART, J. Kierkegaard’s concepts. Tome V: Objectivity to Sacrifice. New York: Routledge, 2016. (Kierkegaard’s Research: Sources, Reception and Resources).
KIERKEGAARD, Søren. A doença para a morte. Trad.: Jonas Roos. Petrópolis: Vozes, 2022.
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__________. O conceito de ironia constantemente referido a Sócrates. Trad.: Álvaro Luiz Montenegro Valls. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2010.