O CONCEITO DE MENTIRA SEGUNDO KANT
Palavras-chave:
Mentira, Implicação de, Dever de veracidade, Intencionalidade, Imoralidade, Mentira. Implicação de proferimento. Dever de veracidade. Intencionalidade. Imoralidade.Resumo
O presente artigo examina a definição de mentira na obra de Kant, a partir de critérios que podem ser denominados de condição de declaração, condição de destinatário, condição de inveracidade e condição de intencionalidade. Para tanto, distingue-se entre meras expressões e declarações, bem como entre inveracidade, falsidade e falsificação. Acerca da declaração, destaca-se que o mentiroso não ignora ou desconhece a implicação de proferimento, mas que ativamente se utiliza dessa implicação feita pelo ouvinte. Apesar dessa implicação não ser necessária para o sucesso da mentira, Kant estabelece uma relação direta entre a implicação de proferimento e declaração de honestidade, de modo que o locutor deve observar o dever de veracidade. Essa declaração de honestidade não só pode ser declarada diretamente, como também é exigida explicitamente no contexto ético e jurídico. Além disso, defende-se a centralidade da condição de intencionalidade na definição de mentira por Kant, de modo que somente a partir da intenção é possível diferenciar a mentira do erro e de inveracidades não enganosas, tal como a ficção e a ironia. Define-se, assim, a mentira como uma forma de simulação caracterizada pela dissimulação da real intenção. Defendemos, além disso, que a mentira apresenta dois níveis de inveracidade, a saber, quanto ao pensamento e quanto a intenção. O primeiro trata da mentira sobre o valor de verdade da asserção, enquanto o segundo trata da mentira sobre o valor de verdade da crença declarada.
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